Cerrado Sob Ameaça: Avanço Agropecuário em Balsas põe em Risco Água do Brasil

Crédito: agenciabrasil.ebc.com.br

Balsas, no sul do Maranhão (MA), experimentou uma transformação intensa nas últimas décadas, tornando-se um dos principais polos de expansão agropecuária no país. Estudos indicam que essa expansão acelera o desmatamento do Cerrado, comprometendo a segurança hídrica nacional.

O centro da cidade concentra o comércio voltado para o agronegócio e filiais de grandes empresas do setor alimentício, como a Bunge. A poucos quilômetros, bairros residenciais abrigam a maioria dos trabalhadores, que reclamam do aumento do custo de vida, principalmente dos aluguéis.

Balsas: Líder no Desmatamento

A conversão de novas áreas em lavouras e pastagens elevou Balsas ao ranking dos municípios que mais desmatam o Cerrado. Segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD 2024), do MapBiomas, foi o segundo município que mais desmatou no país nos últimos dois anos, mesmo após uma queda de 56% em 2024, com a supressão de 16 mil hectares.

Apesar da redução, o desmatamento em Balsas no ano passado foi o dobro do registrado seis anos antes. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam para um aumento de 30% no desmatamento do município entre agosto de 2024 e julho de 2025, em contraste com a queda geral de 11,49% no Cerrado.

O Maranhão, pelo segundo ano consecutivo, liderou o ranking dos estados com maior perda de vegetação nativa no Brasil, respondendo por 17,6% do desmatamento total em 2024, o equivalente a 218 mil hectares.

Simultaneamente, Balsas abriga as nascentes de uma das bacias hidrográficas mais importantes do Nordeste: a Bacia do Rio Parnaíba, com um curso de 1.400 km entre Maranhão e Piauí.

Balsas integra a região do Matopiba, área considerada prioritária para a expansão do agronegócio no Brasil. Em 2024, 42% de toda a perda de vegetação nativa do país e 75% do desmatamento do Cerrado ocorreram nessa região.

Com mais de 100 mil habitantes, a expansão do agronegócio impulsionou o município para a terceira maior economia do Maranhão. A fronteira agrícola transformou a paisagem, a economia e a sociedade do sul do estado.

A Maior Biorrefinaria da América Latina

Em agosto deste ano, Balsas inaugurou a maior biorrefinaria de etanol de milho da América Latina e a primeira do tipo no Nordeste. A usina da Inpasa tem capacidade para processar 2 milhões de toneladas de milho e sorgo por ano e produzir 925 milhões de litros de etanol. A usina produz milhares de toneladas de produtos para nutrição animal e óleo vegetal. Segundo a prefeitura, a nova usina atraiu mil empresas para a cidade nos primeiros seis meses do ano, um crescimento de 33% em relação ao mesmo período de 2024.

A Inpasa se apresenta como líder na transição energética por produzir combustível sem carbono, tendo emitido 1,3 milhão de créditos de descarbonização. Ambientalistas temem que a nova usina aumente o desmatamento do Cerrado para a produção de biocombustíveis, afetando a segurança hídrica.

Enquanto o agronegócio impulsiona a economia de Balsas, comunidades rurais da região, como Bacateiras e Angical, em São Félix de Balsas, enfrentam a falta de água potável. Moradores ainda retiram água do Rio Balsas de jumento.

As Águas de Balsas

Comunidades tradicionais do Cerrado maranhense vivenciaram a chegada da agricultura mecanizada a partir dos anos 1990. No Vão do Uruçu, no Alto Gerais de Balsas, estão algumas das nascentes do Rio Balsas. Nesta região, ainda há Cerrado nativo em meio às comunidades próximas a cursos d´água cristalinos.

Moradores temem pelo futuro das águas do Cerrado. O agricultor familiar José Carlos dos Santos, de 52 anos, relatou que a água está desaparecendo.

Em uma das nascentes, o barro úmido substituiu a água que, agora, brota do subsolo apenas no período da chuva. Antes, a nascente não secava nem no final da estação seca.

“Essa nascente jorrava água corrente com abundância. Hoje a gente vê que nosso rio está pedindo socorro. Queremos trazer uma solução para barrar o desmatamento e as grandes lavouras que existem na costa do rio”, afirmou.

Pesquisas Indicam Queda na Vazão de Rios

Dados de sete rios do Piauí (PI) e Maranhão (MA), incluindo os rios Parnaíba e Balsas, mostram a queda nas vazões desde a década de 1970.

Segundo o hidrólogo do SGB Cláudio Damasceno, “apesar de a gente ter verificado que a chuva está se mantendo estável nesses locais, temos observado que a vazão, tanto as mínimas, quanto as médias e as máximas, estão numa tendência de diminuição. Continuando essa tendência, é óbvio que isso, em algum momento, vai ter problema”.

Um estudo da Ambiental Media calculou que a Bacia do Parnaíba perdeu 24% da vazão média em 40 anos.

Em agosto deste ano, foi anunciado o investimento de R$ 995 milhões para revitalização do Rio Parnaíba.

O geógrafo Ronaldo Barros Sodré, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), destaca que há uma crise hídrica silenciosa em andamento, devido à expansão da fronteira agrícola e o desaparecimento de nascentes.

“Passou a boiada” aqui, diz fazendeiro

Moradores relatam que grandes fazendas assoreiam nascentes para expandir a produção. O fazendeiro Paulo Antônio Rickli, de 56 anos, disse que o Cerrado diminuiu muito de 2018 para cá. “Passou a boiada, como disse o ex-ministro do Meio Ambiente. Muita gente que até tinha as áreas preservadas resolveu ir até o limite, e alguns excederam o limite”, relatou.

Segundo ele, o “Estado é frouxo na fiscalização” e “alguma coisa aconteceu nessas secretarias de meio ambiente que o negócio desandou”.

Desmatamento Autorizado em Áreas Protegidas

O projeto Tamo de Olho analisou cerca de 2 mil Autorizações para Supressão de Vegetação (ASV) e identificou que 51% delas foram emitidas com alguma área sobreposta a Reserva Legal (RL), Área de Proteção Permanente (APP), Unidades de Conservação (UCs) ou Terras Indígenas (TI) e quilombolas. Balsas se destaca com quase metade dessas sobreposições.

A Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão afirmou que não reconhece esses números e argumenta que o órgão ambiental segue todas as legislações e as autorizações são realizadas de forma técnica.

O Ministério Público do Maranhão (MPMA) informou que abriu 24 processos administrativos para apurar desmatamento e reparação de danos ambientais, envolvendo desmatamentos de grande porte.

Desenvolvimento Supera Prejuízos “Pequenos”, Diz Ruralista

O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas (Sindi Balsas), Airton Zamingnan, nega que o Rio Balsas esteja em risco e afirma que a atividade respeita as leis ambientais, reforçando que possíveis irregularidades devem ser fiscalizadas e punidas.

Segundo a liderança da agricultura da região de Balsas, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Balsas quase dobrou entre 1990 e 2010.

O empresário lamenta a pressão de grupos ambientalistas contra o agronegócio e afirma “ter certeza” de que as principais ONGs são um instrumento para prejudicar a concorrência apresentada pelo agro nacional.

Zamingnan cita o projeto Adote uma Nascente que mapeou as 50 nascentes do Rio Balsas e promete preservar os cursos d’água da região. A Codevasf informou que ainda faltam recursos para monitoramento e recuperação de áreas degradadas próximas às nascentes.

“Ilusão de Desenvolvimento”

Comunidades tradicionais, ambientalistas, pesquisadores e movimentos sociais denunciam o alto preço a ser pago pelo modelo do agronegócio no Cerrado.

A presidente da Associação Camponesa (ACA) do Maranhão, Francisca Vieira Paz, considera “o agronegócio uma ilusão de desenvolvimento”. Segundo ela, o Maranhão foi pego como zona de destruição, onde leis são flexibilizadas, e “se nada mudar, haverá uma crise hídrica”.

Para Francisca, o modelo imposto é excludente e insustentável. “Se não houver uma mudança radical, vamos chegar ao final, daqui 20 anos, e as pessoas vão se perguntar: desenvolvimento para quem? Já a destruição será para todos”.

Bispo Narra Conflito com Agronegócio

O bispo da Diocese de Balsas, Dom Valentim de Menezes, destacou que o Maranhão é um dos estados com mais conflito por terra do Brasil. Ele afirma que a expansão da monocultura levou à expulsão de muitos povos da região por meio da grilagem. Para ele, o agro chega como um “engodo” de um progresso “sem sustentabilidade”.

A posição da Igreja cria conflito com as organizações do agronegócio.

O Que Diz a Prefeitura de Balsas

A secretária de Meio Ambiente, Maria Regina Polo, reconheceu que existe um problema hídrico na região e teme que isso “possa virar realmente um problema grave para nós e possa afetar a longevidade do nosso rio”.

Maria Regina ponderou que Balsas é um município extenso e avaliou que a maior parte desse desmatamento é legal. A secretária municipal avaliou ainda que a maior parte desse desmatamento é legal, respeitando os limites da legislação, que permite desmatar até 80% de uma propriedade no Cerrado. “Então, não sei até que ponto o agronegócio é o vilão nesse contexto”, argumentou.

Para a secretária, a chegada da biorrefinaria Inpasa não deve aumentar a pressão para o desmatamento.

Governo do Maranhão Quer “Equilíbrio”

O governo do Maranhão informou que reconhece que o Maranhão está na última fronteira agrícola do Brasil e defendeu que o desafio é equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade ambiental. Toda a legislação é respeitada e que existe grande preocupação com os recursos hídricos do Maranhão.

O secretário de Meio Ambiente, Pedro Chagas, disse que há grande preocupação com os recursos hídricos do Maranhão e informou que o estado atua com fiscalizações contra o desmatamento ilegal e apoia projetos para manter a vegetação nativa. Segundo Chagas, o objetivo do governo estadual é dinamizar o modelo de negócios no Maranhão, preservando os recursos hídricos em parceria com a sociedade civil organizada.

Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br

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